(Balanço #7) Junho: dias de luta com luto

Assassinato de Bruno e Dom ilustra cenário de guerra na Amazônia. Desmatamento segue em alta alarmante, enquanto MT aprova PL para pecuária em área de preservação permanente e RR tenta proibir destruição de equipamentos apreendidos em fiscalizações ambientais.

Os rostos do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Philips, assassinados na Amazônia brasileira no início de junho, são o retrato de dias sombrios na floresta: medo, violência, injustiça e destruição de recursos naturais em ritmo crescente. A terra marcada pela luta vive dias de luto. 

O desaparecimento e morte de pessoas que trabalham em defesa do meio ambiente e dos povos indígenas infelizmente não é exceção. Embora Bruno e Dom se unam a casos emblemáticos como Chico Mendes, assassinato em 1988, e Irmã Dorothy Stang, morta em 2005, a lista de ativistas que pagaram com vida por seus ideais é muito mais extensa. O Brasil ocupa o vergonhoso 4º lugar no ranking de países que mais matam ambientalistas

No monitor Foco Amazônia, o estado do Amazonas se destacou no volume de atos e iniciativas no último mês, contabilizando decretos de desastres e situações de emergência, além de normas de regulamentação de pesca e fiscalização.


CGU publica relatório sobre Fundo Amazônia e denuncia negligência do MMA

A Controladoria Geral da União (CGU) publicou relatório avaliando o trabalho do Ministério do Meio Ambiente (MMA) na governança do Fundo Amazônia desde 2019. A CGU elegeu o assunto como objeto de auditoria devido à extinção dos comitês gestores do fundo, em 2019, no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro. O objetivo da investigação é identificar se o MMA definiu uma nova estrutura de governança, se realizou estudos para aprimorar a gestão do Fundo e de que forma “a  extinção  do  COFA,  do  CTFA,  bem  como a  finalização  do Plano  de  Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), impactaram nos resultados”. 

As conclusões da CGU indicam que o MMA se omitiu na recriação de estruturas de governança e “colocou em  risco  a  continuidade e  os resultados das políticas ambientais associadas”. Não foi apresentado nenhum estudo técnico nem proposta de nova estrutura, conforme previa o decreto que extinguiu os comitês pré-existentes. A negligência persistiu apesar dos alertas do BNDES, gestor do fundo. A Noruega, principal doadora do fundo, também se manifestou. Segundo a CGU, a postura do governo brasileiro pode comprometer o futuro do fundo, sem a possibilidade de novas captações, e obrigar o país a devolver recursos na ordem de R$ 3,2 bilhões. 


#Pegamos


É proibido punir: Roraima segue os passos de Rondônia e impede que equipamentos apreendidos em crimes ambientais sejam destruídos

É inconstitucional, mas os deputados estaduais de Roraima tentam fazer o que a Assembleia Estadual de Rondônia fez às pressas (e nós alertamos no 1º balanço), no fim de 2021, aprovando um PL que proibia que itens apreendidos durante ações de fiscalização ambiental fossem destruídos. Roraima seguiu o mesmo protocolo ipsis litteris: o deputado de Roraima George Melo (Podemos) apresentou o PL que é exatamente a cópia do PL de Alex Redano (Republicanos), de Rondônia. A justificativa vai pelo mesmo caminho: invoca o direito à propriedade como argumento para manutenção dos bens daqueles que desrespeitam a legislação ambiental. 

A diferença entre o texto apresentado em Rondônia, há seis meses, e o aprovado em Roraima recentemente, é que RR pula etapas. Em janeiro o governador de Rondônia vetou apenas a emenda que proibia que agentes estaduais acompanhassem operações federais. Na ocasião, o DOE indicou a inconstitucionalidade da proposta, já que o legislativo estaria avançando sobre uma prerrogativa do executivo. Assim, o governador sancionou o texto original. O PL de Roraima se antecipou incluindo o texto da emenda que contempla a tentativa de limitar as penalidades às áreas federais, sem apoio da PM. 

Outra similaridade entre os projetos é a aderência dos parlamentares: ambos foram aprovados por unanimidade. Curiosidade: a área no site da ALE-RR dedicada ao projeto classifica a atividade legislativa, inclusive quanto às divergências, e pergunta: “matéria polêmica?”. A resposta é simplesmente “não”.  “Nós fizemos essa lei para dar garantia, não só para o garimpeiro, mas para o madeireiro, o pecuarista e o agricultor para que tenham seus bens resguardados, e para que possam ter o direito de recuperar o bem novamente, e não seja destruído em uma eventual fiscalização de órgãos ambientais”, afirmou o autor da proposta. O projeto de lei ainda depende de sanção do governador de Roraima, Antônio Denarium. 

O Ministério Público de Rondônia se manifestou pedindo a inconstitucionalidade da lei. Já o MPF-RR publicou nota com posicionamento contrário ao PL aprovado em Roraima e anunciou que “adotará oportunamente as medidas cabíveis, caso o Projeto de Lei 233/2022 seja sancionado pelo Poder Executivo Estadual”. O presidente da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (ABRAMPA), Alexandre Gaio, corrobora com as ações judiciais. “Além de representar uma lamentável fragilização da atuação dos órgãos ambientais no combate às práticas ilícitas e criminosas que lesam o meio ambiente e violam os direitos dos povos indígenas e de populações tradicionais,  a referida proposta é dotada de patente inconstitucionalidade, na medida em que os Estados da Federação não podem legislar de modo contrário a uma norma geral da União sobre o tema”, afirma. 

A defesa explícita do garimpo na Amazônia só espanta os desavisados. George Melo se orgulha de ser o porta-voz desses interesses na ALE-RR: no site do parlamentar, há textos produzidos por sua assessoria de comunicação com o objetivo de dar visibilidade às reuniões que realiza com o Movimento Garimpeiro. O site também não esconde a rivalidade com a Deputada Federal Joenia Wapichana, mulher indígena eleita pela REDE de Roraima.


Placar negativo: deputados que defendem Pantanal são minoria isolada em MT

Em maio, mostramos que a ALMT deu início à tramitação de um projeto polêmico que autoriza a pecuária extensiva em áreas de preservação permanente. Em junho o projeto entrou na pauta das sessões plenárias e foi incorporado a outro projeto que tramitava desde fevereiro. Os deputados Lúdio Cabral (PT) e Valdir Barranco (PT) pediram vistas e, por isso, a votação foi adiada por uma semana. O projeto foi aprovado em primeira votação, na quarta-feira (29). O único parlamentar que se opôs ao texto foi Lúdio Cabral, que promoveu uma audiência pública com lideranças pantaneiras para discutir os impactos socioambientais da mudança na Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai. Barranco apresentou uma emenda, mas não compareceu à sessão e não votou. Antes da audiência pública, realizada na quinta-feira (30), as comunidades da região não haviam sido ouvidas. Mais de 40 organizações reagiram em uma carta que sugere uma série de mudanças à proposta. 

  • Apesar das diversas tentativas via LAI, ofícios e até solicitações presenciais, o Foco Amazônia continua sem acesso automatizado à tramitação dos projetos de lei da Assembleia de Mato Grosso. O referido PL está sendo acompanhado de forma manual

Amazonas coloca regras para pesca, mas joga fiscalização para plateia

Enquanto Bruno Pereira, profissional da FUNAI experiente e bem preparado sofria ameaças e foi assassinado por enfrentar a pesca ilegal, o governo do Amazonas espera que a população seja capaz de colaborar na fiscalização da pesca da região. O Diário Estadual publicou instrução normativa estabelecendo regras para o manejo dos ambientes aquáticos no Baixo Juruá, no município de Eirunepé/AM. O texto define período para pesca comercial do peixe gordo, cota por barco no Rio Juruá  e cota livre na calha do Rio Tarauacá, malha para pesca do pirarucu e modalidades proibidas. O que chama atenção na regulamentação é o desenho da fiscalização, que será realizada em parceria com a sociedade civil organizada, mutirões comunitários, SISNAMA e Secretaria municipal de Meio Ambiente”. “Podemos pensar em modelos de monitoramento conjunto, mas a fiscalização não pode ser feita pela sociedade civil, é papel do Estado”, ressalta Ana Paula Prates, Engenheira de Pesca e Doutora em Ecologia Marinha

  • Por falar em pesca, uma pesquisa do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) alerta para o risco de extinção do boto cor-de-rosa, usado como isca na pesca ilegal do peixe piracatinga. Os dados indicam que a espécie perde metade da população a cada dez anos. 
  • O Amazonas também alterou a regulamentação da lei do Sistema Estadual de Licenciamento de Atividades com Potencial de Impacto no Meio Ambiente e aplicação de penalidades. O decreto delega a competência de lavraturas de sanções administrativas ambientais para a Polícia Militar do Estado do Amazonas, especializada na área ambiental, ao Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Amazonas e à Polícia Civil do Estado do Amazonas.

Queimadas e desmatamento viram situação de emergência no AM

Os níveis crescentes de desmatamento e queimadas no sul do Amazonas fizeram com que o estado decretasse situação de emergência ambiental. O alerta é válido para região metropolitana de Manaus e municípios da região sul, “que se encontram sob o impacto negativo do desmatamento ilegal e queimadas não autorizadas e demais crimes correlatos”. A área está “inserida na fronteira do “arco do desmatamento ilegal da Amazônia”, região que vem sendo impactada pelas mudanças de uso do solo, notadamente em razão da expansão da agropecuária, que ocorre na região centro-oeste do país”. 

A Política por Inteiro coletou e analisou as estatísticas de desmatamento no estado nos últimos anos. O gráfico indica que 2022 continua apresentando recordes consecutivos: todos os meses, de janeiro a junho, apresentaram as maiores taxas de perda de floresta desde 2017. Embora os dados de junho estejam consolidados apenas até o dia 17 do mês, o índice já supera 2020 e, seguindo o ritmo, certamente vai superar 2021 de forma ainda mais preocupante.

  • O site do IDESAM traz uma reportagem muito interessante sobre um estudo que revela que nenhum dos nove estados da Amazônia Legal disponibiliza devidamente os dados sobre a cadeia madeireira. 

Desastres e mais desastres no AM

Neste mês foram captados 19 decretos de situação de emergência no estado do Amazonas, todos os municípios foram afetados pelas cheias dos rios da região. No monitoramento federal de desastres, a Política Por Inteiro captou 15 atos de reconhecimento da situação de emergência para o Amazonas. No dia 22 de junho, o Rio Negro atingiu a quarta maior cheia da história, com 29,75 metros. Para o mês de julho é esperado o início da vazante e o fim das cheias.


Acre: porteira aberta

Na terra de Chico Mendes, incertezas e ameaças em relação ao futuro das Unidades de Conservação provoca tensão entre atores políticos, exploradores de terras e defensores ambientais. O PL 6024/2019, que tramita em Brasília na tentativa de reduzir a extensão da Resex e mudar a categoria do Parque Nacional Serra do Divisor, retirando a proteção integral, somado à recente exoneração da chefia da reserva causa apreensão devido à falta de transparência das autoridades, que não esclareceram as razões da demissão de Flúvio Mascarenhas. Com a chegada do tempo mais seco e propício às queimadas, as lideranças locais esperavam uma ação mais incisiva do poder público, inibindo ilícitos ambientais. Com a vacância no comando da Reserva Extrativista Chico Mendes e potencial de desmonte da organização, o caminho parece oportuno àqueles que recorrem ao desmatamento ilegal para exploração de terras na região. Há ainda rumores de que apoiadores do PL federal estão se movimentando para pressionar moradores da região a aceitarem o projeto de lei.

A Política por Inteiro também apurou o avanço da pecuária no Acre e identificou que o rebanho cresce em proporção superior à população humana em Jordão (AC), município que ocupa o 4º lugar no ranking de áreas protegidas, caracterizada por concentrar terras indígenas e reservas extrativistas. Na contramão dessa identidade, o município promulgou a Lei  nº10 de 7 de junho que autoriza a utilização da marca como elemento destinado a salvaguardar o direito à propriedade do gado. A preocupação é que a legislação municipal funcione como um atrativo para que a pecuária se instale com ainda mais intensidade na região. O gráfico mostra o crescimento da população de gado versus população humana nos últimos anos.

Ainda no mesmo Acre, foi proposto o Projeto de Lei nº 89 de 2022 que ratifica o protocolo de intenções firmado entre 23 estados para a constituição do consórcio interestadual com o objetivo de promover o enfrentamento das mudanças climáticas no país. Caso o número de ratificações previsto no Protocolo de Intenções seja atingido, o PL se transforma em um Contrato de Consórcio Público e cria a autarquia interfederativa Consórcio Interestadual Sobre o Clima – Brasil Verde. Uma das competências do Consórcio é atuar no desenvolvimento de políticas públicas que contribuam para que o Brasil cumpra os compromissos climáticos assumidos internacionalmente.


Confira também as normas federais captadas pela Política Por Inteiro relacionadas à Amazônia

Portaria MJSP Nº 99, De 9 De Junho De 2022  Força Nacional de Segurança Pública em apoio ao Estado do Amazonas
 Resolução Nº 11, De 25 De Março De 2022  Cria a Câmara Consultiva Temática para qualificar os dados de desmatamento e incêndios florestais.
 Portaria FUNAI Nº 529, De 21 De Junho De 2022  Prorroga a restrição de ingresso, locomoção e permanência de pessoas estranhas aos quadros da Funai na área denominada Terra Indígena Ituna-Itatá, localizada nos municípios de Altamira e Senador José Porfírio, Estado do Pará.
 Portaria FUNAI Nº 522, De 2 De Junho De 2022 Prorroga a restrição de ingresso, locomoção e permanência de pessoas estranhas aos quadros da Funai, na área da Terra Indígena Pirititi.
 Portaria Nº 105, De 28 De Junho De 2022  Dispõe sobre o emprego da Força Nacional de Segurança Pública em apoio à Fundação Nacional do Índio, na Terra Indígena Alto Rio Guamá, no Estado do Pará.

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