Análise mensal – Abril 2023

O mês de abril foi marcado por três fatos de grande relevância: o marco dos 100 dias do novo Governo, os avanços na pauta indígena e as parcerias internacionais reativadas pelo Presidente Lula. Dos anúncios mais esperados nos 100 dias, a retomada da governança climática segue sem definição. As grandes entregas do mês foram a abertura de Consulta Pública para o novo Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) e o anúncio oficial das demarcações de terras indígenas (ainda não publicadas no Diário Oficial).

Brasil

O Governo Lula completou 100 dias. Conforme monitoramento realizado pela Política por Inteiro, verificamos que a reconstrução das políticas climáticas avança lentamente. O destaque foi a abertura de consulta pública para o novo Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). A proposta da 5ª versão do plano foi divulgada após um 1º trimestre de aumento recorde dos alertas de desmatamento, de acordo com os dados do INPE e do Imazon. Houve ainda uma significativa queda nos alertas no mês de abril, até 21/04.



Do ponto de vista da Reconstrução, esse importante gesto responde à demanda pela retomada do diálogo e da participação pública na construção de políticas públicas, além de avançar no concreto planejamento da estratégia do governo para estancar os crimes ambientais. Saiba mais no nosso post sobre o tema.
governanca

Governança climática
[“Governança”]

icon-povos-indigenas

Povos indígenas
[“Mitigação”] [“Adaptação”]

energia

Energia
[“Mitigação”] [“Adaptação”] [“Financiamento”]

agricultura

Agricultura
[“Adaptação”] [“Financiamento”]

0terras-territorios

Terras e territórios
[“Mitigação”] [“Adaptação”]

icon-viagem

Brasil no Mundo

nota metodológica

Dada a transição do governo federal, a metodologia da POLÍTICA POR INTEIRO passou por uma revisão, na qual foram reformulados temas e classes e inserido mais um nível de sistematização das normas captadas no Diário Oficial da União, relacionado especificamente às agendas de mudança do clima. A partir de agora, os Balanços Mensais contarão com identificações (tags) para cada agenda do clima da qual pertencem as análises.

  • “Mitigação”
  • “Adaptação”
  • “Governança”
  • “Financiamento”

Há expectativa de que o governo federal reative o Comitê Interministerial (CIM) e também publique um decreto criando o Conselho Nacional do Clima, que já consta da estrutura de colegiados sob Secretaria do MMA. Já sobre a definição da Autoridade Climática, prometida para abril/2023 pela ministra Marina Silva, há rumores de que será criada no segundo semestre de 2023. A sociedade civil tem cobrado maior clareza sobre o possível papel da futura Autoridade Climática. A espera pela reativação dos colegiados e a falta de informações sobre as novas estruturas ligam o sinal de alerta para a política climática nacional, especialmente no contexto de “transversalidade”.
[“Governança”]

No mês em que se comemorou o Dia dos Povos Indígenas, foi anunciada a instituição de três Grupos de Trabalho (GTs) sobre temas relevantes para a pauta. Também foi publicada norma que institui GT para dialogar com a sociedade civil um fundo voltado para os biomas indígenas. Ainda, houve a retomada das demarcações de terras indígenas (TIs) via assinatura, pelo presidente Lula, da homologação de 6 TIs.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil



A importância da proteção das terras indígenas para o equilíbrio climático já foi largamente evidenciada pela ciência. Há estudos que evidenciam que, entre 2001 e 2021, as “florestas administradas por povos indígenas na Amazônia” removeram 340 milhões de CO2 da atmosfera. Apesar disso, houve a paralisação da demarcação das terras indígenas no país nos últimos 4 anos. A competência de conduzir o processo demarcatório, até então do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) passou, neste Governo, a ser do Ministério dos Povos Indígenas (MPI). E, agora, há disputa em torno disso: essa mudança está sendo objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.377 protocolada no mês de abril no STF pelo Partido Progressistas (PP). Ainda no Judiciário, a ministra Rosa Weber afirmou que em 7 de junho será retomado o julgamento do processo que discute a chamada “tese do marco temporal para definição da ocupação tradicional da terra por indígenas”.
[“Mitigação”] [“Adaptação”]

A transição completa da matriz energética para emissões líquidas zero é necessária, conforme indicamos no Nossa Descarbonização. Apesar disso, pode avançar a tentativa de liberação de licença ambiental para o Bloco FZA-M-59, de exploração de petróleo na Foz do Amazonas por parte da Petrobras. Cerca de 80 associações e entidades não-governamentais, entre elas o Instituto Talanoa, assinaram e entregaram ofícios aos Ministérios de Minas e Energia, Relações Exteriores, Pesca e Aquicultura e Povos Indígenas, bem como IBAMA, FUNAI, ANP e Petrobras, com pedido para que o IBAMA deixe de emitir a licença para o Bloco. Caso haja a liberação dessa atividade, poderá haver um movimento em cadeia de diversas explorações na região. Em recente manifestação interna, o IBAMA se posicionou pelo arquivamento do processo de licenciamento ambiental. E em meio a esta questão da exploração de petróleo na Foz do Amazonas, a Petrobras nomeou Maurício Tolmasquim para o cargo de diretor de Transição Energética e Sustentabilidade da empresa. Ele será o responsável por tratar de questões envolvendo descarbonização, mudanças climáticas, novas tecnologias e atividades de gás. O cargo tem validade até 13/04/2025.
[“Mitigação”] [“Adaptação”] [“Financiamento”]

Em reunião ministerial entre as pastas da Agricultura e Pecuária, da Fazenda, do Meio Ambiente e Mudança do Clima e do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, foi sinalizado que o Plano Safra 2023/2024 irá focar na agricultura de baixo carbono, especialmente para políticas de crédito rural e novas tecnologias. De acordo com a iniciativa Nossa Descarbonização, redirecionar o crédito do Plano Safra para a agricultura de baixo carbono é um dos pontos-chave na trajetória de redução de emissões do país.
[“Adaptação”] [“Financiamento”]

Iniciou o julgamento do Brasil, na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em relação à suspeita de violação dos direitos de quilombolas quando foi realizada a construção, na década de 80, da Base de Lançamento de Foguetes de Alcântara, no Maranhão. Apesar da declaração do advogado-geral da União com formais pedidos de desculpas às comunidades quilombolas, a declaração foi tida como insuficiente e vaga por movimentos associados à problemática. Segundo a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ), as comunidades quilombolas têm frequentemente relatado os impactos das mudanças climáticas no seu modo de vida, inclusive tendo que adaptar a agricultura quilombola a tal realidade. Portanto, é importante que as vozes e anseios dessas comunidades sejam ouvidas, internalizadas e efetivadas pelo Poder Público, a fim de que se garanta os seus direitos e a sua efetiva integração às decisões sobre os territórios que ocupam e ocuparam.
[“Mitigação”] [“Adaptação”]

Outra pauta relevante no mês foram as viagens realizadas por Lula à China, Portugal e Espanha. Salvo a viagem à China, verificou-se poucos compromissos concretos do presidente que tenham repercussão na agenda climática.

Na China, em declaração conjunta dos dois países sobre combate às mudanças climáticas, houve sinalizações importantes, como alinhamentos dos países com relação ao desmatamento zero, à importância do chamado Balanço Global para avaliar o estado de implementação do Acordo de Paris e na cobrança ao financiamento climático por parte dos países desenvolvidos. Ainda, houve apoio à candidatura brasileira para sediar a COP 30.

Na viagem para Portugal, Lula fez declarações relacionadas às pautas climáticas e socioambientais, especialmente em relação ao compromisso de zerar o desmatamento até 2030 e reprimir o garimpo ilegal, mas ficou só no discurso. Na ocasião, o Presidente disse que o Acordo de Paris ainda não foi colocado em prática.

O presidente ainda viajou para a Espanha, onde fez discurso na presença do rei Felipe VI apontando que “não haverá sustentabilidade sem justiça social”.

Foto: Ricardo Stuckert / PR


E o presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou que solicitará ao Congresso americano o aporte de US$ 500 milhões para o Fundo Amazônia, além de US 1 bilhão para o Fundo Verde do Clima e outros US$ 50 milhões para fomentar investimentos privados em restauração florestal via Development Finance Corporation (DFC) no Brasil. Biden se reuniu com o presidente Lula em fevereiro de 2023, quando houve manifestação da intenção do Governo dos EUA em apoiar o Fundo Amazônia, mas, naquele momento, sem o anúncio oficial de valores. A CNN internacional fez uma cobertura do anúncio, com a participação do Instituto Talanoa.

A fim de reconstruir a agenda climática e socioambiental, o documento Reconstrução indicou revogações necessárias de atos danosos. Dos 123 atos indicados para revogação imediata, apenas 15 foram revogados até o final de abril. Dos outros 28 indicados para revogação sem urgência, apenas 1 foi revogado, representando 10,5% do total das revogações sugeridas. A preocupação com meio ambiente e posicionamento frente às mudanças climáticas tem sido muito presente no discurso do presidente Lula, pautando a opinião pública acerca de temas como Amazônia e desmatamento, no entanto é preciso manter a agenda de reconstrução em curso.



No mês de abril, o monitoramento de atos públicos captou 48 normas relevantes. A classe mais frequente foi Planejamento, com 22 normas. O tema mais recorrente, além de Desastres, foi Indígenas.

Em abril, 168 municípios brasileiros tiveram situação de emergência reconhecida pela Defesa Civil devido aos eventos meteorológicos extremos, com destaque para estiagem e tempestades.


Internacional

Boas notícias para o clima

  • Austrália cria autoridade para net zero
    • O governo Albanese anunciou a criação da “Autoridade Net Zero” para ajudar trabalhadores e comunidades na transição para uma economia de zero carbono. A autoridade será institucionalizada por meio de lei e trabalhará para coordenar políticas e programas em todo o governo, apoiar trabalhadores em setores intensivos em emissões na transição para novos empregos e ajudar investidores e empresas a aproveitarem as oportunidades na trajetória para net zero.

       

  • União Europeia aprova lei anti-desmatamento 
    • O Parlamento Europeu aprovou uma lei que obriga empresas a comprovar que produtos das cadeias de gado, cacau, café, óleo de palma, soja, madeira, borracha, carvão vegetal e papel não venham de áreas desmatadas em nenhum lugar do mundo. 
    • A medida prevê a formação de uma comissão para classificar o “risco de desmatamento” dos países em até 18 meses. Essa classificação impactará no nível de verificação necessário para validar uma importação para a União Europeia (UE). As porcentagens de verificação são de 1% para países de baixo risco, 3% para aqueles considerados de risco padrão e 9% para países de alto risco. A UE utilizará imagens de satélite para detectar desmatamentos após a data de corte estabelecida pela lei, 31 de dezembro de 2020, e vai exigir o cumprimento de regras sobre direitos humanos e respeito aos povos indígenas.
    • Para o Brasil significa ter de provar que nossos produtos de exportação estão livres de desmatamento. O relator do projeto de lei, o eurodeputado Christophe Hansen, disse que o Brasil “provavelmente” será classificado como país de “alto risco” nas novas regras.

       

  • União Europeia aprova a primeira taxa de carbono sobre importações do mundo.
    • A medida, denominada de Taxa de Ajuste de Fronteira com Base em Conteúdo de Carbono (CBAM), afetará as importações para a Europa de produtos intensivos em carbono, buscando proteger a indústria europeia dos custos de redução de emissões e da concorrência de empresas estrangeiras sediadas em países com regulamentações climáticas mais flexíveis. Na prática, ela visa tornar os produtos estrangeiros com alta emissão mais caros que os europeus. 
    • A regulamentação ainda precisa de um endosso formal por parte do Conselho Europeu nas próximas semanas, para depois ser encaminhada para publicação oficial.
    • No Brasil, o setor produtivo tem se mostrado desconfiado em relação à medida. A Confederação Nacional da Agropecuária alerta que o setor agrícola pode ser afetado, enquanto a indústria teme a criação de barreiras ao comércio internacional e, em especial, às exportações brasileiras de ferro e aço, alumínio, cimento, eletricidade e fertilizantes. A medida pode provocar retaliações comerciais e possíveis violações das regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).

       

  • Estados Unidos encaminham regulação para promover eletrificação agressiva de veículos até 2032
    • A Agência de Proteção Ambiental (EPA) propôs que dois terços dos novos carros de passageiros e um quarto dos novos caminhões pesados vendidos nos Estados Unidos sejam totalmente elétricos até 2032.
    • Segundo o New York Times, a EPA não pode obrigar as montadoras a venderem um número específico de veículos elétricos. Mas, de acordo com a Lei do Ar Limpo, a agência pode limitar a poluição gerada pelo número total de carros vendidos por cada fabricante. E a agência definiu esse limite de forma tão rígida que a única maneira das montadoras cumprirem é vender um certo percentual de veículos de emissão zero. A cada ano-modelo em que a regra estiver em vigor, as empresas de automóveis relatarão ao governo federal as emissões de gases de efeito estufa médias de todos os novos carros vendidos. Empresas que não atingirem o padrão serão penalizadas.
    • Para o Brasil, serve de inspiração.

       

  • Estados Unidos criam Escritório de Justiça Ambiental na Casa Branca 
    • A ordem executiva assinada pelo presidente Joe Biden exige que cada agência federal desenvolva planos para abordar o impacto desproporcional da poluição e das mudanças climáticas sobre as comunidades negras e tribais, e relate seu progresso. A ordem também direciona as agências a abordar lacunas nos dados sobre os efeitos cumulativos da poluição sobre as comunidades mais vulneráveis. 
    • Para o Brasil, serve de inspiração.
icon-sol-triste2

Más notícias para o clima

  • Centenas de novos projetos de extração de petróleo e gás aprovados no último ano em todo o mundo – Brasil em terceiro lugar
    • O IPCC afirma que a produção de combustíveis fósseis deve começar a diminuir acentuadamente agora para evitar os efeitos mais catastróficos das mudanças climáticas. Entretanto, os combustíveis fósseis estão em ascensão, recuperando-se após o período pandêmico. O gás, em particular, está em alta. 
    • Projetos de petróleo e gás aprovados em 2022 ou programados para serem aprovados entre 2023 e 2025 podem causar 70 gigatoneladas de emissões. Essa quantidade equivale a mais de 30 vezes as emissões totais de dióxido de carbono dos Estados Unidos em 2021.
    • Embora nos últimos anos muitos países tenham implementado políticas que incentivam as energias renováveis, a demanda por combustíveis fósseis ainda é alta. A invasão da Ucrânia pela Rússia aumentou os preços do petróleo, contribuindo para lucros recordes das empresas de combustíveis fósseis.
    • O Brasil é o terceiro país com mais projetos já aprovados ou projetados, dentre 30 países, em 2022 e 2023.
Oportunidades


O Secretariado da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC) informou que os países devem submeter atualizações das contribuições nacionalmente determinadas (NDCs) até dia 25 de setembro de 2023 para constar do  novo Relatório Síntese, que deve sair até 14 de novembro deste ano. Conforme já apontamos, a NDC brasileira mantém para esta década um patamar de emissões mais elevado do que o país apresentou em 2016, na NDC original. A última submissão do Brasil não aumenta a ambição climática do país e, na avaliação de mais de uma dezena de organizações independentes mundo afora, está em desacordo com o Acordo de Paris. A correção e maior ambição da NDC brasileira é pauta urgente a ser priorizada pelo Governo Federal. O prazo dado pela UNFCCC é um bom marco para cobrança pela sociedade e uma bela oportunidade para o governo brasileiro repaginar seu “cartão de visitas”.

Balanço final: Como foi o 1º trimestre?

A implementação de reformas institucionais positivas, que abraçaram uma abordagem transversal da pauta climática, e o acerto de uma governança dedicada à temática indígena com protagonismo de representantes dos povos originários, foram sinais positivos emitidos pelo novo governo no primeiro trimestre.

O ritmo da reconstrução emperra diante da dificuldade de se recuperar rapidamente os órgãos ambientais da cupinização institucional promovida por um método de desconstrução. Isto está atrasando a criação e implantação de políticas climáticas para o país.

Assine nossa newsletter

Compartilhe esse conteúdo

Realização

Apoio

Apoio