Brasil em Davos: Os sinais da primeira agenda internacional do novo governo

A opção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva por não ir a Davos (Suíça) e enviar a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para representar o Brasil no Fórum Econômico Mundial, nesta semana, dá sinais importantes sobre as prioridades do governo brasileiro. Os discursos e movimentações de Marina e Haddad também trouxeram relevantes indicações de como o Brasil volta a se inserir na arena global. Abaixo, a leitura desses sinais:

 

  • A relevância das relações com a América Latina: sem a ida a Davos, a primeira viagem internacional de Lula após a posse será à Argentina, na semana que vem, onde ocorrerá a cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). Em Buenos Aires, além de se reunir com o presidente argentino, Alberto Fernández (que veio ao encontro de Lula no dia seguinte ao segundo turno das eleições, em outubro), estão previstas bilaterais com os presidentes cubano, Miguel Díaz-Canel, e venezuelano, Nicolás Maduro. 
  • Agenda climática transversal: ao escalar não apenas seu ministro da Fazenda, mas também Marina Silva para Davos, o governo brasileiro eleva o status do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e do tema em si, que deve não se ater somente à pasta. 
  • O acordo com a União Europeia: O papel de Marina Silva como fiadora dos compromissos ambientais do governo Lula é evidenciado na agenda com a União Europeia. A desconfiança sobre a firmeza das políticas ambientais no Brasil, sobretudo o combate ao desmatamento nos últimos anos, foi um dos principais empecilhos para avançar o acordo entre o bloco e o Mercosul. “O parlamento europeu está considerando que agora temos um governo que está comprometido com a proteção da Amazônia, dos demais biomas brasileiros, defesa dos direitos humanos, fortalecimento da democracia e estabilidade política para que se possa finalizar o acordo”, disse a ministra. O país tem feito encontros bilaterais com representantes do parlamento europeu e da UE para destravar o acordo.
  • Avançar na rastreabilidade: Entre os pontos que precisam avançar para o acordo com os europeus e evitar barreiras não alfandegárias para os produtos brasileiros é a rastreabilidade das cadeias produtivas. Esse foi um dos assuntos de Marina e Haddad em reunião com o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Ilan Goldfajn (presidente do Banco Central do Brasil de maio de 2016 a fevereiro de 2019). “Discutimos já algumas linhas de aporte de recursos, seja para o fortalecimento institucional, seja para ampliar a governança climática, mas principalmente para trabalhar a certificação de cadeias produtivas, como é o caso da agricultura brasileira, que vai precisar passar por um processo de certificação com vistas à rastreabilidade para dar segurança de que de fato estamos caminhando para uma agricultura de baixo carbono e fazer com que o Brasil continue sendo uma potência agrícola e ambiental”, disse. Segundo Marina, já está sendo preparado um acordo de cooperação com o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro. “Estamos desdobrando uma agenda robusta de como trabalhar conjuntamente para criar mais sinergia entre produção agrícola, segurança alimentar e sustentabilidade.”
  • Dever de casa: Estruturar a rastreabilidade das cadeias produtivas fortalecerá o combate ao desmatamento e aos crimes socioambientais, incluindo as ameaças aos direitos dos povos indígenas. “Temos que separar o que são impedimentos de interesses comerciais e aquilo que são de fato exigências justas. No caso o que tem sido colocado muito fortemente é que as pessoas não querem produtos que sejam oriundos de desmatamento, de violência contra as populações indígenas”, disse Marina. “Fica difícil quando se tem 11 mil km² de áreas sendo destruídas de floresta amazônica, aumento de desmatamento no Cerrado, de cada 10 crianças yanomami 4 estarem contaminadas por mercúrio. Aí realmente você tem que fazer o dever de casa. Não é só a questão de mudar a imagem, mas de mudar a prática. Não é mágica, é muito trabalho.” Reportagem da Sumaúma nesta semana mostrou imagens chocantes que ilustram dado estarrecedor: “570 crianças com menos de 5 anos morreram no território Yanomami pelo que as estatísticas chamam de ‘mortes evitáveis’”, nos últimos quatro anos. Fome e doenças decorrentes da falta de atendimento básico de saúde estão matando na floresta apontada como fonte riqueza e grande valor para levar o Brasil a potência verde.  
  • Reindustrialização e economia verde: O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviço (MDIC), Geraldo Alckmin, que estava confirmado para ir a Davos até a semana anterior ao início do Fórum Econômico Mundial, acabou cancelando sua participação para focar na formação da equipe da pasta. Haddad abordou o tema da reindustrialização e realizou reuniões em busca de recursos. O ministro da Fazenda falou bastante em crescimento com “sustentabilidade fiscal e ambiental”. Após o encontro com Ilan Goldfajn, afirmou: “O Brasil está atrás de financiamento para produzir energia limpa e renovável e o BID se colocou à disposição para isso”.
  • Financiamento climático: Além dos organismos multilaterais e a reativação de mecanismos como o Fundo Amazônia, a volta do Brasil à cena abre oportunidades para grandes aportes filantrópicos. “Tive uma reunião já muito interessante com uma instituição filantrópica que está comprometida em fazer uma visita ao Brasil e quer ampliar o aporte de recursos. Ainda quando estava no Brasil, tive uma reunião muito promissora com os operadores da fundação do Leonardo DiCaprio que está fazendo ações para captar 100 milhões de dólares para o Fundo Amazônia e estamos em contato também com a Fundação Bezos que quer fazer aporte de recursos”, disse Marina Silva. “É claro que a filantropia tem maior agilidade. Quando se trata de cooperação com os governos, aí se faz um acordo quadro geralmente, depois você desdobra esse acordo. Mas o que todos querem é agilizar os processos para ajudar o Brasil a dar respostas, que terão que ser respostas econômicas e sociais.”
  • Virando a página: Lula já havia decidido não ir a Davos antes dos ataques golpistas de 8 de janeiro. Se tivesse se planejado para ir, talvez os acontecimentos daquele domingo afetassem essa agenda. Ao mesmo tempo, o interesse do empresariado e dos políticos no fórum para tentarem entender o que se passa no Brasil ficou ainda maior. A última participação de um presidente brasileiro em Davos foi em 2019, marcando a estreia de Jair Bolsonaro em um evento global. No ano seguinte, com o lançamento do documentário O Fórum, foi revelado o insólito diálogo entre ele e o ex-presidente americano Al Gore, que ouviu que o líder brasileiro gostaria muito de explorar as riquezas da Amazônia com os Estados Unidos. O tweet de Al Gore nesta semana com a foto junto à Marina Silva ajuda a virar a página da vergonha alheia de 2019. “Estou emocionado por me reconectar com minha querida amiga Marina Silva, que está ajudando o Brasil a se transformar num verdadeiro campeão do clima”, escreveu.

 

 

Assista às participações de Haddad e Marina no Fórum Econômico Mundial

 

Vídeo 1

 

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