Do discurso ao ato: o sinal dado pela revogação da norma sobre exploração de madeira em terra indígena

Sonia Guajajara é indígena, usa cocar branco, com penas de detalhes vermelhos e amarelos na ponta. Ela está em púlpito, discursando

A revogação do ato que seguia abrindo caminho para a exploração madeireira em terras indígenas por organizações mistas, compostas por indígenas e não indígenas, foi o primeiro ato da Funai como entidade vinculada ao recém-criado Ministério dos Povos Indígenas. Até agora, haviam sido publicadas somente normas de pessoal e de compras e licitações ordinárias. A Instrução Normativa Conjunta 2/2023, da Funai e do Ibama, publicada em edição extra do Diário Oficial da União, na noite de segunda-feira (16), sinaliza os novos rumos da política indigenista e do entendimento acerca dos direitos sobre os territórios indígenas.

A IN conjunta 2/2023 revoga a Instrução Normativa 12/2022, que entrava em vigor justamente nesta segunda-feira, 16. A norma estabelecia as “diretrizes e os procedimentos para elaboração, análise, aprovação e monitoramento de Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS) Comunitário para a exploração de recursos madeireiros em Terras Indígenas”. Em seu artigo 1º, permitia a exploração por “empreendedores sejam organizações indígenas ou organizações de composição mista”. Estas últimas foram explicitadas na IN como “associação ou cooperativa onde é admitida a participação de não indígenas, desde que essa participação seja inferior a cinquenta por cento (50 %)” (art. 2º, inciso II). Assim, havia a possibilidade de não indígenas empreenderem dentro de Terras Indígenas.

Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, havia informado nas suas redes sociais sobre a revogação.

 

A norma de dezembro havia sido assinada em 31 de outubro, dia seguinte ao segundo turno das eleições, e seguia a direção adotada ao longo do Governo Bolsonaro para lidar com as questões indígenas, levando inclusive à judicialização do tema. Em 2021, duas normas diminuíram as proteções às terras indígenas, inclusive introduzindo “não indígenas” para possíveis explorações:

  • Resolução FUNAI 4/2021: define critérios específicos de heteroidentificação que serão observados pela Funai, visando a aprimorar a proteção dos povos e indivíduos indígenas, para execução de políticas públicas. Há critérios de necessário “vínculo histórico e tradicional de ocupação ou habitação entre a etnia e algum ponto do território soberano brasileiro” e “origem e ascendência pré-colombiana”. A norma foi suspensa no Supremo Tribunal Federal (STF).
    Reconstrução: indicamos como medida a revogação da norma por trazer bases de heteroidentificação que fragilizam a tradicionalidade e a cultura dos povos.
  • Instrução Normativa Conjunta FUNAI IBAMA 1/2021: dispõe sobre os procedimentos a serem adotados durante o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades localizados ou desenvolvidos no interior de Terras Indígenas cujo empreendedor sejam os próprios indígenas usufrutuários por meio de associações, organizações de composição mista de indígenas e não indígenas, cooperativas ou diretamente via comunidade indígena. É estabelecido que as organizações de composição mista “devem ser de domínio majoritário indígena, obedecendo a inalienabilidade e indisponibilidade das Terras Indígenas, sendo vedado seu arrendamento” (art. 1º, §1º).
    Reconstrução: indicamos como medida a revogação da norma pois abre precedentes para deslegitimação de direitos territoriais indígenas e coloca em risco o protagonismo das comunidades.

A revogação da IN 12/2022 é o 23º ato com impacto nas políticas socioambientais e de mudança do clima editado pelo governo Lula. Um acompanhamento desse trabalho de reconstrução do setor pode ser feito por nosso Monitor da Reconstrução. Acesse também o relatório Reconstrução.

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