O tempo não para! E o clima continua mudando: um resumo do 6º Relatório do Grupo 2 do IPCC

O 6º Relatório de Avaliação do Grupo II do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, na sigla em inglês) sobre adaptação, impactos e vulnerabilidades trouxe mais notícias alarmantes para a sociedade global.

Desde os últimos relatórios divulgados, já fomos defrontados com a verdade de que toda a vida na Terra é vulnerável às mudanças climáticas e que muitos dos impactos do aquecimento global já são “irreversíveis”. Por exemplo, mesmo que as taxas de emissões de gases de efeito estufa parem agora, o nível do mar continuará subindo bem depois de 2100. Mas o novo relatório traz com muita veemência que ainda existe uma janela de tempo, breve, para que possamos juntos, evitar o pior. É urgente tomar ações responsáveis de adaptação para proteger o planeta, começando pelas comunidades mais vulneráveis.

Tomando novamente o exemplo do aumento do nível do mar, magnitude e ritmo dessa elevação dependem da atual e futura trajetórias de emissões. Se conseguirmos acelerar o ritmo desejado de descarbonização, espera-se um ritmo mais lento de elevação do nível do mar e haverá maiores oportunidades para a adaptação nos sistemas humanos e ecológicos dos países insulares e zonas costeiras.

Todos esses alertas e previsões disponibilizados pelos cientistas precisam ser amplamente traduzidos e divulgados para que toda a sociedade possa cobrar de seus governantes e também agir de forma responsável, o mais rápido possível.


Os principais pontos do 6º Relatório de Avaliação do Grupo de Trabalho II do IPCC

A POLÍTICA POR INTEIRO traz aqui alguns dos principais pontos sobre o 6º relatório de avaliação do Grupo de Trabalho II sobre os impactos das mudanças climáticas, analisando os ecossistemas, a biodiversidade e as comunidades humanas nos níveis global e regional. O relatório também analisa as vulnerabilidades e as capacidades e limites do mundo natural e das sociedades humanas para se adaptar às mudanças climáticas.

É a primeira vez que o relatório do IPCC traz um olhar sobre o impacto social da mudança climática na região da Amazônia, que abriga nove países, entre eles o Brasil, que concentra a maior parte do território amazônico.


Principais mensagens do relatório para a Biodiversidade:1

  • A mudança climática alterou os ecossistemas marinhos, terrestres e de água doce em todo o mundo, causando perdas de espécies locais, aumento de doenças e eventos de mortalidade de plantas e animais, resultando em reestruturação de ecossistemas, aumento de áreas queimadas por incêndios florestais, e declínio de serviços de ecossistemas-chave.
  • Os impactos sobre os ecossistemas provocados pelo clima têm causado perdas econômicas mensuráveis e perdas de vida, práticas culturais e atividades recreativas desordenadas em todo o mundo.
  • As ameaças às espécies e aos ecossistemas no oceano, nas regiões costeiras e em terra apresentam um risco global que aumentará a cada décimo de grau adicional de aquecimento. A transformação dos ecossistemas terrestres e oceânicos/costeiros e a perda de biodiversidade, exacerbada pela poluição, fragmentação do habitat e mudanças no uso da terra, ameaçará a subsistência e a segurança alimentar.
  • Sem reduções urgentes e profundas nas emissões, algumas espécies e sistemas, especialmente aqueles em regiões polares e tropicais, são as que mais vão sofrer.
  • Ondas de calor marinho, incluindo eventos bem documentados na costa oeste da América do Norte (2013-2016) e costa leste da Austrália (2015/2016, 2016/2017 e 2020), provocam rupturas nas comunidades que podem durar anos, com os ecossistemas associados, colapso da aquicultura e redução da capacidade dos ecossistemas costeiros em proteger as linhas costa.
  • A mudança climática está afetando os serviços ecossistêmicos ligados à saúde humana, à subsistência e ao bem-estar. Desmatamento, drenagem e queima de turfeiras e florestas tropicais, e descongelamento do permafrost ártico já transformaram algumas áreas de sumidouros de carbono para emissores de carbono. A severidade e a extensão do surto de insetos em regiões de maior umidade, a expansão da floresta para as grandes planícies, ligada a um aumento de CO2, reduziram o uso de estufas e o uso de gramíneas invasoras em terras semiáridas e aumentaram o risco de incêndios.
  • Os serviços ecossistêmicos como mitigação das mudanças climáticas, gerenciamento de riscos de inundação, fornecimento de alimentos e abastecimento de água estarão mais ameaçados com a combinação das mudanças climáticas com outras pressões antropogênicas, como desmatamento, queimadas, poluição etc.
  • A manutenção da saúde planetária é essencial para a saúde humana e social e é uma condição para o desenvolvimento da resiliência climática. A conservação efetiva dos sistemas naturais – aproximadamente 30% a 50% da terra, da água doce e do oceano – protegerá a biodiversidade, construirá a resiliência dos sistemas e garantirá os serviços ecossistêmicos essenciais.
  • As opções de adaptação disponíveis podem reduzir os riscos aos ecossistemas e aos serviços que prestam, mas não podem evitar todas as mudanças e não devem ser consideradas como um substituto para a redução das emissões de gases de efeito estufa. A mitigação global ambiciosa e rápida oferece mais opções e caminhos de adaptação para sustentar os ecossistemas e seus serviços.


Principais destaques do relatório com reflexos para o Brasil:

1) O Nordeste brasileiro está secando desde os anos 1970, assim como o sul da Austrália e o Mediterrâneo. As causas são mudanças de larga escala na precipitação e nos fatores que influenciam a evapotranspiração (ver figura 1).

Figura 1: b) Mapa global da tendência mediana do fluxo médio anual do rio derivado de 7.250 observatórios ao redor do mundo (período 1971-2010). Algumas regiões estão secando (nordeste do Brasil, sul da Austrália e Mediterrâneo) e outras estão sendo inundadas (norte da Europa) principalmente por mudanças em larga escala na precipitação, mudanças nos fatores que influenciam a evapotranspiração e alterações no momento do acúmulo de neve e do derretimento impulsionado pelo aumento da temperatura (Fonte Gudmundsson et al., 2021). https://report.ipcc.ch/ar6wg2/pdf/IPCC_AR6_WGII_FinalDraft_FullReport.pdf

2) Na Amazônia brasileira, as queimadas estão atingindo áreas mais amplas do que no passado. As pesquisas publicadas ainda não atribuíram esse aumento das queimadas à mudança do clima. De 1973 a 2014, a área queimada aumentou, coincidindo com aumento do desmatamento. Ou seja, na Amazônia, o desmatamento exerce uma influência sobre as queimadas florestais que pode ser mais forte do que a mudança climática.

3) O capítulo 2 do Relatório cita que “as estradas facilitam o desmatamento, fragmentando a floresta tropical e aumentando a secura e a inflamabilidade da vegetação”, com base em estudos feitos por Alencar e autores, 2015 3.

4) Vários eventos recentes de chuvas fortes, que causaram inundações, se tornaram mais prováveis pela mudança do clima. Dentre os casos em que essa influência foi detectada, o IPCC cita o evento de 2017 que gerou prejuízo de US$ 102 milhões no Brasil causando o deslocamento de mais de 3.500 pessoas no Uruguai.

5) Já sobre falta de chuva, o relatório incluiu 2 casos brasileiros:

  • Em 2014/2015, quando o maior sistema de abastecimento de água de São Paulo, o Cantareira, atingiu 5% do seu volume de água, e o número de pessoas atendidas caiu de 8,8 milhões para 5,3 milhões. No entanto, neste evento a mudança do clima não é considerada uma grande influência ou perigo. De acordo com uma abordagem multimétodos, o evento de seca de 2014/15 em São Paulo foi provavelmente mais impulsionado por mudanças no uso da água e crescimento populacional (Otto et al., 2015). Ou seja, nem tudo é causado pela mudança do clima.
  • Em 2016, quando o Ceará registrou 39 (de 153) reservatórios vazios e outros 42 atingiram o volume morto, 96 (de 184) municípios cearenses sofreram interrupção no abastecimento de água.

6) Sobre cidades, o relatório destaca que há um nível desproporcional de exposição de cidades subtropicais sujeitas a temperaturas quentes durante todo o ano e umidade mais alta, exigindo menos aquecimento para exceder os limites “perigosos”, por exemplo, São Paulo.

7) Sobre adaptação urbana, um destaque importante: 87% das cidades latino-americanas com mais de 1 milhão de habitantes não relatam iniciativas de adaptação. Há medidas de adaptação autônomas. Ou seja, realizadas “por conta própria” como manutenção de drenagem, elevação de casas etc., sem haver políticas públicas adequadas. A maioria dos casos de adaptação urbana estão em países desenvolvidos.

8) A adaptação não deve ser só de cidades ou estruturas, mas também de pessoas e seus/nossos hábitos. Por exemplo, projeta-se uma maior mortalidade por doenças cardiovasculares relacionadas ao calor até o final do século 21.

9) A mortalidade por doenças cardiovasculares relacionadas ao calor (DCV) no Brasil está projetada para aumentar até 8,6% até o final do século sob o cenário RCP 8.5 (de maior aquecimento), em comparação com um aumento de 0,7% para o cenário RCP 4.5 (aquecimento mais brando).

10) Sobre a pobreza podemos destacar o trecho: “Investir na redução da pobreza não leva necessariamente à adaptação à mudança do clima e, nem sempre reduz a vulnerabilidade dos mais marginalizados, como documentado em estudos de caso no Nordeste do Brasil”.

11) Quanto aos Povos Indígenas no Brasil o Relatório do IPCC destaca que Territórios indígenas e outras áreas protegidas têm menor desmatamento (2,1%) e menos incêndios.  Por isso, “Salvaguardam c/ eficácia importantes serviços ecossistêmicos e bem-estar (Nogueira et al., 2018)”.

12) Por outro lado, assim como na Austrália e em Botsuana, as medidas adaptativas autônomas tomadas por povos indígenas não têm sido suficientes para evitar perdas (algumas irreversíveis, como por exemplo perda de habitats). Ou seja, não dá para depositar toda a responsabilidade nos Povos e Comunidades Tradicionais.

13) O desafio é de mão dupla: para os povos indígenas que se adaptaram há milênios às condições climáticas em que desenvolvem seus modos de vida, é preciso fazer uma “releitura” das novas condições globais. Para o Estado e os brancos, fazer cumprir políticas públicas de conservação da biodiversidade e fortalecimento dos povos e comunidades tradicionais.

14) O Relatório trouxe também um quadro especial sobre dimensões sociais e futuros riscos das queimadas na Amazônia Legal. É dado destaque para as queimadas que se espraiaram até 148 terras indígenas em 20193.

15) Ainda para a Amazônia, o relatório traz pontos importantes no capítulo sobre a América do Sul:

  • O alto risco de inundações (alta frequência e danos incorridos) está centrado nos estados do Acre, Rondônia, Sul do Amazonas e Pará.
  • Quanto às soluções baseadas na natureza, ressalta-se “a maior parte dos hotspots para a adaptação baseada em ecossistemas identificada no Brasil está localizada em alguns dos ecossistemas mais vulneráveis à mudança do clima”.
  • Quanto à agricultura no Brasil e para a América Latina: como podemos adaptar?
    • Novos cultivares, com um ciclo mais longo e maior tolerância com altas temperaturas;
    • Avanço tecnológico (para a cultura de milho, por exemplo);
    • Irrigação pode se tornar essencial para sustentar a produtividade agrícola;
    • Investir na agroflorestal

16) Quanto à pesca e à aquicultura no Brasil, o relatório ressalta que, se as emissões seguirem altas, a produção de peixes cairá 36% no período 2050-2070, em comparação com 2030-2050. A produção de crustáceos e moluscos será praticamente extinta, diminuindo em 97% no mesmo período.

17) Quanto à economia, prevê-se que o Brasil seja um dos países mais prejudicados economicamente. O prejuízo sobre o país é de cerca de US$ 24 por tonelada emitida globalmente. E as altas emissões futuras podem reduzir a renda média global em 23%. No Brasil, pode se tornar 83% menor em 2100 do que seria sem a crise climática.

A figura abaixo ilustra o custo social do carbono para as economias dos países do G20. No gráfico da direita, o Brasil está no topo dos perdedores, ficando atrás de Índia, EUA e China.

O mapa abaixo, citado pelo Relatório do IPCC mostra o impacto do aquecimento global sobre as economias, dos anos 70 e dos anos 90 até os dias de hoje 4.

18) O financiamento climático na América Latina está concentrado no Brasil, que recebeu 1/3 dos fundos que chegaram à região. Os dados estão, no entanto, defasados indo apenas até 2014. O relatório menciona que, na região Norte do Brasil, o apoio financeiro governamental reduziu significativamente a migração causada pelas secas. E que há casos similares no Canadá e na Guatemala.


Principais destaques do relatório sobre o Oceano

1) Impactos observados: a mudança do clima expôs o oceano a condições sem precedentes em milhares de anos.

2) Como entender os impactos da mudança do clima no oceano? O mapa conceitual abaixo explica as mudanças:

  • nas propriedades: oceano ficando mais ácido e quente
  • nos mecanismos que influenciam o oceano e as zonas costeiras: aumento do nível do mar, por exemplo.

3) Impactos observados: as ondas de calor marinhas (MHWs) estão mais intensas, alongadas e frequentes desde a década de 1980. O número de dias com MHWs aumentou em 54% nos últimos 100 anos. Essas ondas de calor são as responsáveis pela mortalidade de corais, algas, peixes, aves e outras espécies marinhas, além de aumentarem a acidez do oceano e diminuir o oxigênio disponível.

4) Segundo o relatório, os mais afetados são os povos indígenas e populações pescadoras e marisqueiras artesanais, assim como indústrias (turismo, navegação e transporte). O oceano abastece 3,3 bilhões de pessoas com pelo menos 20% da proteína na alimentação.

5) Impactos futuros, projetados, mostram que os riscos de aumento do nível do mar para ecossistemas costeiros e para as pessoas aumentarão 10 vezes antes de 2100, caso não haja suficiente adaptação e mitigação. Os cenários variam entre 0,5 e de 1,5m de elevação.

6) O oceano é um regulador fundamental da vida e da bioquímica do planeta. Mas para que esse enorme corpo de água que cobre 71% do planeta continue atuando dessa forma, a saúde do oceano depende muito dos cenários de emissão de gases de efeito estufa. Não vai ser possível adaptar nem resistir caso a humanidade continue emitindo nos níveis crescentes atuais.

7) A adaptação já está acontecendo. Mas precisa acontecer mais e mais rápido. De todo modo, não vai ser suficiente para salvar o oceano e a zona costeira. O grande “seguro de vida” do oceano é a transição para zero carbono, o mais rápido possível.

8) e como está acontecendo essa adaptação: com exemplos de portos sendo elevados; recifes de coral sendo reforçados e restaurados; Barreiras de proteção sendo colocadas na zona costeira; recuo em áreas litorâneas; e a expansão de áreas marinhas protegidas.

9) É preciso ressaltar que muita vida marinha já está sendo perdida por conta dos impactos da mudança do clima. Para ler o capítulo específico sobre Oceano e zona costeira do 6º Relatório do Grupo 2 do IPCC, acesse: https://report.ipcc.ch/ar6wg2/pdf/IPCC_AR6_WGII_FinalDraft_Chapter03.pdf


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1 Baseados no post de Natalie Unterstell: https://twitter.com/unatalie?s=20&t=1YNjhee6TcAgvFzeU_f8Eg;

ClimaInfo: https://twitter.com/ClimaInfoNews?s=20&t=1YNjhee6TcAgvFzeU_f8Eg; https://news.un.org/pt/story/2022/03/1781392 e https://news.un.org/pt/interview/2022/03/1781412 ; https://report.ipcc.ch/ar6wg2/pdf/IPCC_AR6_WGII_SummaryForPolicymakers.pdf e https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,nordeste-e-amazonia-sao-duas-das-regioes-mais-vulneraveis-as-mudancas-climaticas-leia-analise,70003993859

2 Alencar, A. A., P. M. Brando, G. P. Asner and F. E. Putz, 2015: Landscape fragmentation, severe drought, and the new Amazon forest fire regime. Ecological Applications, 25(6), 1493-1505, doi:10.1890/14-1528.1

3 https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/isa-mostra-terras-indigenas-mais-afetadas-por-incendios-na-amazonia-brasileira

4 https://www.pnas.org/doi/10.1073/pnas.1816020116

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