Como fica o CONAMA com a liminar de Rosa Weber?

Você ficou sabendo em primeira mão no nosso Twitter, na semana passada, sobre a liminar da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendendo o decreto que reformulou a composição do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Com a decisão, o órgão não funciona mais, neste momento, seguindo a composição definida pelo Decreto 9.806, de 29 de maio de 2019, que reduziu significativamente a participação da sociedade civil e de outros poderes no colegiado. Mas quem ocupa então os assentos no CONAMA hoje? Voltamos à composição anterior? E as decisões aprovadas desde o decreto de 2019 têm validade? 

Para elucidar tais questões, é necessário verificar a decisão de Rosa Weber na íntegra. Porém, ela não foi publicada até a tarde desta terça-feira (21). Foi publicado somente um trecho da decisão no portal de acompanhamento processual do STF:

Ante o exposto, defiro a medida de urgência já pleiteada na inicial desta ADPF pelo requerente, ‘ad referendum’ do Plenário desta Corte, para suspender a eficácia do Decreto n. 9.806, de 29 de maio de 2019, até o final do julgamento do mérito.”

Abaixo, uma análise preliminar com base no trecho e outras considerações:


1. A ação da PGR

A liminar foi concedida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 623, proposta em setembro de 2019 pela Procuradoria-Geral da República (PGR), à época ocupada por Raquel Dodge. 

O Decreto n° 9.806, de 28 de maio de 2019, alterou o Decreto nº 99.274/90, instituindo novas regras de representação e indicação dos membros que compõem o CONAMA:

  • houve redução de 11 para 4 representantes de entidades ambientalistas com assento no Conselho;
  • o mandato das entidades ambientalistas foi reduzido de 2 anos para 1 ano, passando a ser vedada a recondução;
  • o método de escolha das entidades representantes desse setor, por meio de processo eleitoral dentre as organizações cadastradas perante o Ministério do Meio Ambiente, foi substituído por método de sorteio;
  • passaram a ser elegíveis para o assento no Conselho apenas entidades ambientalistas ditas de “âmbito nacional”;
  • órgãos de ligação estreita com o meio ambiente, como o Instituto Chico Mendes da Biodiversidade (ICMBio) e a Agência Nacional de Águas (ANA), bem como o Ministério da Saúde e entidades ligadas à questão indígena, perderam seus assentos no Conselho;
  • os Estados, que tinham direito a indicar um representante cada, agora possuem apenas 5 assentos, sendo um para cada região geográfica;
  • foram reduzidos os assentos dos Municípios de 8 para apenas 2 vagas, devendo ser sempre de capitais (o que desconsidera os Municípios do interior);
  • foram extintos os cargos de conselheiros sem direito a voto, que eram ocupados por representantes do Ministério Público Federal, dos Ministérios Públicos estaduais e da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados.

Diante do apontado acima, a PGR afirmou na ação: “na nova configuração, o governo federal sozinho detém 43,47% – quase metade – dos assentos votantes, o que significa que possui condições extremamente favoráveis de formar maioria nas votações. A sociedade civil, por sua vez, com apenas 17,39% dos assentos votantes, se viu relegada a uma reduzidíssima minoria, o que possivelmente se traduzirá na impossibilidade de fazer valer seus interesses”. Invocou os preceitos fundamentais da igualdade, o princípio da participação popular direta e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Nos pedidos, afirmou que “em atenção aos princípios republicanos, da razoabilidade, moralidade, impessoalidade e isonomia, assim como em louvor ao princípio da segurança jurídica e economicidade, faz-se necessária a decretação por esta Corte de medida cautelar hábil a suspender a eficácia do Decreto n° 9.806, de 11 de junho de 2019, a fim de assegurar a indenidade dos preceitos constitucionais.


2. O julgamento virtual e o pedido de vistas

Após longa tramitação, iniciou-se em 5 de março de 2021 o julgamento virtual da ação. Contudo, apesar de quatro votos já terem sido declarados (e que estavam decidindo pela inconstitucionalidade do Decreto 9.806/2019), o ministro Kássio Nunes Marques requereu vistas do processo, deixando o julgamento do mérito suspenso desde 10 de março de 2021:

Decisão: Após os votos dos Ministros Rosa Weber (Relatora), Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Marco Aurélio, que julgavam procedente o pedido formulado na arguição de descumprimento de preceito fundamental para declarar a inconstitucionalidade do Decreto nº 9.806, de 29 de maio de 2019, pediu vista dos autos o Ministro Nunes Marques. (…) Plenário, Sessão Virtual de 5.3.2021 a 12.3.2021.

Desde a suspensão do julgamento, foram realizadas duas reuniões ordinárias e uma reunião extraordinária do CONAMA, nos quais pautas relevantes foram deliberadas, dentre elas um novo regramento para o Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas (CNEA). Confira a análise exclusiva da POLÍTICA POR INTEIRO a respeito.


3. Reforço no pedido de liminar

Com o CONAMA funcionando normalmente e o julgamento sobre a inconstitucionalidade de sua composição paralisado, entidades de defesa do meio ambiente entraram com petições pelo deferimento de medida cautelar pela ministra relatora Rosa Weber. Isto é, reforçaram o pedido para que uma liminar suspendesse o decreto até o julgamento da ação:

  • Petição de 17 de novembro de 2021: da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público do Meio Ambiente (ABRAMPA) e Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP);
  • Petição de 3 de dezembro de 2021: WWF-Brasil, Instituto Socioambiental (ISA), Transparência Internacional, Observatório do Clima, Rede de Organizações Não Governamentais da Mata Atlântica (RMA) e Conectas Direitos Humanos.

Assim, em 17 de dezembro de 2021, Rosa Weber proferiu a medida de urgência – a liminar.


4. Considerações sobre a decisão

Como dito acima, até o fechamento desta análise, não foi disponibilizado o inteiro teor da decisão cautelar da ministra Rosa Weber. Resumidamente, há duas interpretações sendo feitas sobre a abrangência da liminar:

  • Ela produz efeitos a partir da decisão cautelar, suspendendo toda e qualquer atividade do CONAMA até julgamento final da ADPF 623; ou
  • Ela produz efeitos retroativos, suspendendo toda e qualquer atividade do CONAMA até julgamento final da ADPF 623, bem como tudo que foi produzido desde a publicação do Decreto Federal 9.806/2019.

Em defesa, do primeiro ponto de vista, de que a liminar só tem efeito daqui para frente, podemos relembrar que a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei 4.657/1942) estabelece que a norma produz efeitos a partir da sua entrada em vigor, de forma imediata e geral. E é estabelecida a conceituação do chamado “ato jurídico perfeito”, sendo aquele que foi consumado conforme legislação em vigor à época:

Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

  • § 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.
  • § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.
  • § 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.

Assim, pode-se entender que os atos praticados enquanto o Decreto 9.806/2019 estava vigente continuam válidos, inclusive por não haver expressa revogação ou suspensão de tais atos na decisão da ministra Rosa Weber.

Por outro lado, é possível considerar que a decisão pode afetar toda a atividade do CONAMA desde maio de 2019 defendendo-se que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental e, portanto, passível de flexibilizar as balizas de ato jurídico perfeito/direito adquirido ou mesmo retroatividade de medidas. Ao entender-se pela retroatividade da suspensão do Decreto 9.806/2019, pode ser possível se pensar no seu efeito como medida garantidora da salubridade ambiental e da manutenção do seu equilíbrio, proteção e conservação, nos moldes constitucionalmente garantidos.

Assim, sem a decisão na íntegra, ainda não é possível afirmar categoricamente a abrangência da liminar concedida pela ministra Rosa Weber. O certo é que, ainda que em caráter provisória, ela mostra que a ela reconhece a urgência da questão.

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