Um oceano de esperanças

Após 5 COPs e seis anos do Acordo de Paris, finalmente a importância do oceano ancorou de vez no regime multilateral de mudanças climáticas.

Em 2019 o IPCC publicou um relatório especial sobre a relação do oceano com a mudança do clima, que apresentou dados alarmantes tanto para a saúde dos ecossistemas marinhos por conta do aquecimento, da acidificação, desoxigenação e elevação do nível do mar, quanto sobre os riscos em relação ao potencial deles seguirem atuando decisivamente para a regulação climática. Desde 1993, a taxa de aquecimento do oceano mais que dobrou. 

Estudos recentes demonstraram que a temperatura média do oceano atingiu a marca mais alta já registrada e o ritmo com que ele está esquentando está se acelerando. Se calcula que, nos últimos 25 anos, o oceano absorveu o equivalente ao calor gerado por 3,6 bilhões de explosões como a da bomba de Hiroshima.

O oceano é a casa das máquinas do sistema climático. Absorvendo cerca de 90% do excesso de calor e cerca de 25% do CO² que produzimos em terra, o oceano tem sido nosso melhor aliado na proteção contra as mudanças climáticas. No entanto, estamos emitindo tantos gases e calor que os pontos de inflexão estão sendo alcançados e o risco de o oceano virar nosso vilão está cada vez mais perto.

Pode-se citar os exemplos:

  • Acidificação do oceano: a composição química do oceano está mudando devido ao aumento das concentrações de CO2, afetando de várias maneiras a vida marinha, em particular moluscos e crustáceos;
  • Aquecimento do oceano: afetando as correntes oceânicas, padrões de migração de peixes e habitats críticos, incluindo recifes de coral que abrigam 25% da biodiversidade marinha e que já foram perdidos mais de 50% desses ambientes; e,
  • Aumento do nível do oceano: o derretimento da criosfera (gelo) está mudando a geografia do nosso planeta, afetando diretamente as comunidades costeiras e insulares, aumentando os padrões climáticos extremos e colocando em risco diversas cidades e populações vulneráveis.

Em dezembro de 2020 ocorreu o primeiro Diálogo Oceano e Clima, como resposta à COP25, onde se enfatizou que o oceano oferece múltiplas oportunidades inexploradas e poderosas para mitigar e se adaptar às mudanças climáticas, e que as ferramentas estão disponíveis para gerar vários benefícios que vão além dos benefícios climáticos: é necessária uma ação colaborativa para avançar com o trabalho de alavancar essas ferramentas de forma sustentável; soluções baseadas no oceano devem ser integradas às NDC, aos Planos Nacionais de Adaptação e aos demais processos da UNFCCC. 

Apesar do Brasil possuir uma das maiores Zonas Econômicas Exclusivas – ZEE do mundo, uma linha de costa com mais de 9.000 km e 26,3% de área marinha protegida, não esteve presente no diálogo. 

Cabe destacar que na COP 25, em Madrid em 2019, o Brasil teve uma postura de bloqueador das negociações em torno de alguns pontos, como o da inclusão do oceano no segmento de alto nível, além do Art. 6o.

Ainda durante o Diálogos Oceano e Clima, o Painel de Alto Nível para uma Economia Sustentável do Oceano, que integra 14 chefes de Estados, apresentaram compromisso em relação ao oceano para os próximos dez anos. O compromisso abrange cinco áreas que pretendem proteger o oceano (e o planeta) e aproveitar, ao mesmo tempo, as suas potencialidades para lidar com desafios globais como as alterações climáticas, a segurança alimentar e a manutenção da biodiversidade. Como soluções urgentes apontadas:

  • Investir em energia renovável baseada no oceano; 
  • Proteger e restaurar ecossistemas de carbono azul (manguezais e apicuns);
  • Incentivar a transição para a navegação descarbonizada;
  • Mudança na dieta global para fontes marinhas de baixo carbono (moluscos e algas); e
  • Apoiar uma meta global de proteger 30% do oceano (em áreas no-take) até 2030.

E agora em Glasgow, na COP26 em 2021, como foram as negociações quanto ao tema?

No dia 05/11/2021 aconteceu o Ocean Day na COP 26, onde várias ações, anúncios e decisões foram tomadas, como: 

✅ O Reino Unido, como presidente da COP, encorajou os líderes mundiais a tomarem medidas ambiciosas em direção à saúde e resiliência dos oceanos, a fim de alcançar ambições net zero e manter um aumento médio de temperatura global não maior que 1,5°C. Para impulsionar esse pedido, o Reino Unido fez uma série de anúncios, incluindo a contribuição de £ 6 milhões para um Fundo específico do Banco Mundial para o oceano – PROBLUE, e £ 1 milhão para o Global Fund for Coral Reefs (Fundo Global para Recifes de Coral) além de mais £ 5 milhões anunciados anteriormente neste ano. 

✅ Ainda no Ocean Day, o Reino Unido está incentivando o apoio global para uma nova meta ’30 por 30′, para proteger pelo menos 30% do oceano global até 2030. 

❌ Mais de 100 países já apoiaram essa meta, mas o Brasil não faz parte deles. 

✅ O Call to action para o Oceano foi apoiado por mais de 100 atores locais e internacionais dos setores público e privado que conclamaram aos governos e as empresas a ampliarem as soluções e ações climáticas baseadas no oceano. Eles incluem comunidades locais, organizações da ONU, ONGs, empresas e instituições científicas. O documento aponta:

  1. Ação climática é ação do oceano: Para a garantir a saúde do oceano, deve-se garantir emissões globais zero líquidas até 2050 e manter um aumento de não mais de 1,5 ° C. Isso inclui a descarbonização do setor de transporte marítimo e a expansão da energia renovável offshore.
  2. O oceano é parte da resposta às mudanças climáticas: Proteger, restaurar e gerenciar de forma sustentável os principais habitats e espécies marinhas, incluindo os habitats de carbono azul, impulsionando soluções baseadas na natureza como parte dos compromissos do Acordo de Paris.
  3. Proteger o oceano para enfrentar as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade: Compromisso de proteger pelo menos 30% do oceano global até 2030 e trabalhar para alcançar um instrumento internacional juridicamente vinculativo sob a UNCLOS para a conservação e uso sustentável da biodiversidade marinha.
  4. Investir na ação oceano-clima: Compromisso de aumentar o financiamento para soluções marinhas baseadas na natureza, proteção e restauração do oceano, ao longo dos próximos cinco anos, como parte dos compromissos de aumentar o financiamento.
  5. Apoiar a ação oceânica com a ciência oceânica transformadora: Colaborar com a Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030) para aprimorar as observações oceânicas globais e fornecer dados acessíveis para todos.

✅ Belize se comprometeu a gastar US$ 4 milhões por ano e financiar um fundo de conservação marinha de US$ 23 milhões para proteger a segunda maior barreira de recife de coral do mundo. Este modelo de troca de dívidas segue os esforços pioneiros das Ilhas Seychelles.Dia 09/11/21 

Na plenária nas negociações do segmento High Level, o Ministro das Relações Exteriores de Tuvalu, Simon Kofe, passou um vídeo de seu discurso gravado de dentro do mar com água até os joelhos para mostrar como o país é vulnerável ao aquecimento global e a elevação do nível do mar De acordo com o Banco Mundial, os níveis do oceano Pacífico ocidental aumentaram duas a três vezes mais rápido do que a média global. A previsão é que eles subam entre 0,5 e 1,1 metros antes do final do século. 

Líderes das nações insulares fizeram fortes apelos na COP26 em Glasgow, Escócia, como o presidente das Maldivas, Ibrahim Mohamed Solih, afirmando que; “nossas ilhas estão lentamente sendo devoradas pelo mar, uma por uma. Se não invertermos essa tendência, as Maldivas deixarão de existir até o final do século.”


Dia 11/11/2021 

No penúltimo dia de negociação, o rascunho da decisão já incluía a maioria das questões sobre o oceano mas ainda mantinha entre colchetes o ponto de partida para o diálogo anual sobre o oceano. 

E ainda: 

✅ A IUCN em parceria com o governo australiano, lançaram um novo Fundo para o Oceano Blue Carbon Accelerator Fund.

✅ Dentro da COP26, os presidentes da Colômbia, Costa Rica, Equador e Panamá assinaram uma declaração para permitir a criação do Corredor Marinho do Pacífico Tropical Leste, que une as reservas marinhas desses países, formando uma área protegida interconectada, dando o primeiro passo para criar a maior reserva da biosfera marinha transfronteiriça.


Dia 12/11/2021

✅ Último dia de negociação da COP 26, com as partes discutindo sobre os detalhes finais do documento final. A boa notícia é que o Oceano é mencionado! O esboço cria um diálogo anual sobre o clima oceânico e exige que as partes “considerem como integrar e fortalecer a ação baseada no oceano em seus mandatos e planos de trabalho existentes”. Mais de 100 países assinaram um compromisso de proteger pelo menos 30% do oceano global até 2030.

❌ As negociações não acabaram no dia 12, entrando madrugada adentro e tendo seu final adiado para o dia 13/11.

 

Dia 13/11/2021 – Resultado final da COP26

Com um dia de atraso a COP 26 terminou com alguns destaques na decisão:

✅ Na decisão final está a meta de limitar o aquecimento a 1.5oC

✅ Processo pré-2025 para aumentar ambição de NDCs e financiamento

✅ Bases claras para financiamento de adaptação e perdas e danos

✅ Finalização do livro de regras do Acordo de Paris

❌ Índia, China e outros impediram o abandono de carvão e combustíveis fósseis no final

✅ O oceano é destacado desde o preâmbulo: “a importância de garantir a integridade de todos os ecossistemas, inclusive nas florestas, o oceano e a criosfera, e a proteção da biodiversidade […]”; no parágrafo 58, que dá as boas-vindas ao relatório do “Diálogo do Oceano e do Clima’”; no parágrafo 60, onde os órgãos da UNFCCC são convidados a “considerar como integrar e fortalecer a ação baseada no oceano em seus mandatos e planos de trabalho existentes”, ao parágrafo 61, onde o Presidente do SBSTTA também é convidado “a manter um diálogo anual (com início em junho de 2022) para fortalecer a ação baseada no oceano e para preparar um relatório resumido informal sobre o assunto e colocá-lo à disposição da COP”.

Apesar desses avanços e de finalmente o oceano ter ancorado de vez na UNFCCC, resta agora torcer para que ainda tenhamos tempo de esperar para ver como vão ser os diálogos anuais e se o Brasil vai começar a participar, ou não…, antes que sejamos engolidos pelo nosso maior aliado nessa crise climática que nos metemos.


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