Dá pra acreditar em todos os dados no jornalismo?

Dados são fundamentais para o jornalismo. Isso todos concordam, mas toda fonte é confiável? Não. No debate Conjunturas & Riscos: Política Climática por Inteiro, realizado dia 5 de outubro, Ana Carolina Amaral, repórter de meio ambiente da Folha de S. Paulo disse que os dados têm uma característica única, que é conseguir dar a dimensão do que é padrão na nossa realidade. Isso no jornalismo ambiental é desafiador, principalmente em pautas que lidam com mudanças climáticas, crise hídrica, os dados entram como uma peça fundamental para mostrar esta realidade. “É importante olhar para os dados como uma fonte, são indicadores relevantes, mas sozinhos não contam a história, precisam ser interpretados”. Taciana Stec, bióloga, que coordena a equipe de dados da Política Por Inteiro, explica que um dos focos da iniciativa é traduzir o dado, transformar em informação, em algo que as pessoas entendam. “E é isso que o jornalista faz, ajuda a furar a bolha dos dados e dos ambientalistas, isso é importante”.



O entendimento do também jornalista Eduardo Goulart de Andrade, editor de Brasil do OCCRP, consórcio internacional de jornalismo investigativo, vai no mesmo sentido. Eduardo acredita que “é necessário ceticismo ao lidar com os dados, fazer a checagem, o cruzamento com outras informações, consultar outras fontes. Um passo importante é a metodologia de coleta desses dados, acessar a série histórica para fazer a comparação. É fundamental para o jornalista conversar com fontes que vêm monitorando estes dados”.

O doutor em Comunicação e presidente da ABRAJI – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, Marcelo Träsel, destacou que há armadilhas e dificuldades na apuração de dados no Brasil. Há diferença entre dados públicos e dados publicados. Grande parte dos públicos não são publicados, embora sejam abertos. “Temos visto um abuso do sigilo e do segredo por parte dos governos. O que deveria ser exceção está cada vez mais sendo usado para esconder informação”, ressaltou. Neste sentido, Eduardo compartilhou: “Há uma falta de transparência muito grande em relação aos proprietários de terra no Brasil. É um tipo de dado que faz falta, já deixei de fazer reportagem por causa disso.”

Falando em dados ambientais, Ana Carolina lembrou que, ano passado, tivemos aquele episódio da “boiada” com o Salles e os dados foram fundamentais para ela. “Acompanhei o monitoramento da Política Por Inteiro, que deu conta de quantificar e qualificar as ações, mostrar as peças do quebra-cabeça, senão seriam coisas soltas, tipo “mais uma bioada”, sem contexto”. Ana Carolina destacou ainda que, mesmo em um governo que tentou tirar diversas vezes as informações do ar, os órgãos conseguiram manter uma autonomia de manter estes dados, embora com dificuldades. Eduardo acrescentou: “Há a tentativa do Governo de tirar a credibilidade de um órgão reconhecido no mundo inteiro, como o Inpe. Cabe a nós jornalistas contrapor esta narrativa”.

Taciana trouxe à tona a questão do MMA de descredibilizar, “tropicalizar” os dados e questionou os convidados como fazer para fugir da manipulação. Träsel, que é professor universitário de Jornalismo, disse que no trabalho esbarramos muito em dados inconsistentes. Na Academia, a maior dificuldade que os estudantes têm é enxergar a pauta nos dados. “Vemos grupos de interesse criando suas próprias bases de dados. Temos que tomar muito cuidado com este tipo de pesquisa. Não só a interpretação, mas a própria produção do dado tem que ser questionada”, alertou. Ana Carolina compactua com a versão do professor e acrescentou: “Há uma guerra de narrativas na questão do desmatamento, por exemplo. Existe diferença entre distorção de dados e interpretação de dados. Isso é perigoso”.  Já na visão de Eduardo, uma boa estratégia para fugir da manipulação é investigar, é ir atrás do dinheiro. “Como exemplo, se estão desmatando para colocar gado, alguém está ganhando com isso. Este governo tem uma política anti ambiental assumida. A gente precisa cobrar de empresas no exterior que estão comprando estes produtos”, explicou.

Outro aspecto que foi debatido diz respeito à questão do crime, que a gente encontra no rastro dos dados ambientais, como garimpos ilegais, tráfico de armas, corrupção, trabalho escravo, entre outros. Marcelo comentou que, sempre que há um crime ambiental, a gente tem uma infração grave aos direitos humanos, que vai além das previsões do Código Penal. “Como, por exemplo, mesmo que sejam negócios legítimos, estamos em pleno 2021 discutindo sobre exploração de combustíveis fósseis?”

Nesta edição especial, foi apresentado o monitor de atos públicos, feito em parceria com a da Folha de S. Paulo. Você pode acessar as plataformas nos dois sites, seguem os links:

Política por Inteiro: https://www.politicaporinteiro.org/monitor-de-atos-publicos/

Folha de S. Paulo: https://arte.folha.uol.com.br/ambiente/monitor-politica-ambiental

Estes foram alguns dos destaques do debate Conjunturas & Riscos: Política Climática Por Inteiro, que aconteceu nesta terça-feira. Você pode assistir o evento completo no vídeo abaixo ou pelo link: https://youtu.be/vu4aijMyReQ.


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