GT sobre a pesca da piracatinga: quais os riscos ambientais em jogo

Nesta semana, foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) uma portaria para criação de um Grupo de Trabalho, de caráter consultivo, com a finalidade de identificar técnicas e métodos sustentáveis para o exercício e controle da atividade pesqueira da piracatinga (Calophysus macropterus). Antes de comentar a norma do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a Portaria MAPA nº9, de 13/01/2021, é importante entender por que a pesca dessa espécie envolve uma série de questões socioambientais.

A piracatinga é uma espécie de bagre endêmica das bacias Amazônia e Orinoco. Essa espécie não é apreciada pelas comunidades ribeirinhas por ser uma espécie necrófaga. Por isso, também é conhecida como “urubu d’água”. No entanto, devido à sobrepesca e consequente escassez do bagre “capaz” (Pimelodus grosskopfii) e de outros bagres capturados na Colômbia, começou uma grande demanda de mercado e o incentivo para os pescadores brasileiros capturarem a piracatinga, visando a sua exportação. Contudo, essa pesca vem sendo, desde a década de 2000, muito polêmica pois é associada à caça ilegal de botos . Os pescadores caçam ilegalmente o boto-vermelho (Inia geoffrensis) e o boto tucuxi (Sotalia fluviatilis) para utilização como isca na pesca da piracatinga.

Essas espécies de boto são espécies ameaçadas de extinção, de caça proibida desde 1987 (Lei n° 7.643/1987, Lei n° 9.605/1998, Decreto n° 6.514/2008). Apesar dessa proibição, os botos são caçados por serem considerados a melhor isca para atrair grandes quantidades de piracatinga em pouco tempo. Outra espécie utilizada como isca são os jacarés, mas com eles o rendimento da pesca é menor.

Após várias polêmicas e denúncias, o Ministério Público Federal fez uma recomendação, no âmbito de um Inquérito Civil Público, para que se investigue a prática de matança de botos e jacarés para serem utilizados como isca para a pesca da piracatinga na região amazônica. Nesse contexto, foi instituída uma Instrução Normativa Interministerial MPA/MMA no 06/2014 estabelecendo uma moratória da pesca e comercialização da piracatinga (Calophysus macropterus) em águas jurisdicionais brasileiras e em todo o território nacional, pelo prazo de cinco anos, a contar de 01/01/2015. A moratória venceu em 1º de janeiro de 2020, mas, seis meses após seu vencimento, em junho do ano passado, o Mapa publicou uma prorrogação de um ano da proibição (IN SAP/MAPA nº 17/2020), valendo até 1º de julho de 2021.

À época da IN com a moratória inicial, foi instituída a Portaria MMA no 318/2014, que criou um GT com a finalidade de acompanhar o cumprimento e os efeitos da moratória que elaborou um Plano de Acompanhamento da Moratória, o qual se dividiu em cinco eixos principais:

  • (a) monitoramento e avaliação da recuperação das populações de botos e jacarés;
  • (b) identificação de técnicas e métodos alternativos para a pesca da piracatinga que possuam viabilidade ambiental, social e econômica;
  • (c) diagnóstico da biologia e ciclo reprodutivo da piracatinga e avaliação do seu potencial como espécie comercial;
  • (d) avaliação dos impactos sociais e econômicos decorrentes da moratória; e
  • (e) desenvolvimento da estratégia de fiscalização e controle.

O órgão que mais conduziu pesquisas e monitoramento foi o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Amazônica (CEPAM) do ICMBio. Porém, desde 2019, a pesca não é mais compartilhada entre a Secretaria de Aquicultura e Pesca e o MMA e os respectivos GT, comitês, colegiados etc. foram extintos, deixando uma grande lacuna.

Como o prazo de término da moratória se aproxima mais uma vez, urge o reestabelecimento de um colegiado que possa avaliar os estudos e proposições realizadas pelo antigo GT do MMA. Nesse contexto entra a Portaria desta semana do Mapa, recriando esse espaço, com algumas questões relevantes que chamam a atenção como:
1) A composição: não estão incluídos entre os participantes do GT, o MMA, nem seus órgãos como Ibama e ICMBio. MMA e Ibama aparecem como convidados (item 3 abaixo);
2) O GT é constituído como “caráter consultivo”, mas traz um dispositivo que não é usualmente colocado em instâncias democráticas ambientais, quando as recomendações deveriam ser tomadas por consenso: “Art. 5º § 2º As deliberações do GT MAPA Piracatinga serão tomadas por maioria simples dos votos”;
3) No art. 4º, traz que “Além dos órgãos, entidades e instituições indicados no caput do art. 3º, o GT MAPA Piracatinga contará com a participação, sem direito a voto, de convidados permanentes representantes dos seguintes órgãos e entidades:
I – Ministério do Meio Ambiente – MMA;
II – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama;
III – Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia – INPA;
IV – Universidade Federal do Amazonas – Ufam; e
V – Instituto Federal do Amazonas – Ifam.”
4) A ausência do ICMBio no GT, nem mesmo como convidado sem direito a voto, sendo que o órgão é o responsável pelas espécies ameaçadas; e,
5) O GT terá o prazo duração até o término da vigência da moratória instituída pela Instrução Normativa SAP/MAPA nº 17, de 2020, ou seja até dia 01/07/2021 quando já deveriam haver normas publicadas ou mais uma prorrogação da moratória.

 

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